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Dentro das Palavras

Rui Catalão

Os meses que antecederam a estreia de dentro das palavras foram meses de loucura, sentimento de ruína, de culpa, de impotência e de fracasso.  Hoje sei que fiz uma peça ligeira, feliz e delicada, certamente repleta de momentos terríveis, mas sempre num tom luminoso e bem humorado, e numa relação calorosa e íntima com o público. Montei dentro das palavras como se estivesse morto – a olhar para trás, como numa despedida. Magicamente o pesadelo e a mágoa foram-se dissipando, dando lugar à graça e ao encantamento. Julgava que este meu primeiro solo iria ser o meu último acto público. A tratar-se de um testamento, escondi o pânico, e sinto que mostrei, nos limites das minhas capacidades, que o que é vivido só merece ser vivido se não nos deixarmos martirizar pelo sofrimento. A nossa memória não serve apenas para recordar o passado ou preparar estratégias para o futuro, é também um instrumento de partilha, em que se esboça um sentido de pertença. O sentido da vida pode não existir por si mesmo, mas podemos sempre inventá-lo. A única mentira de que me orgulho é a de parecer que não tenho medo. É preferível avançar com medo, fazendo de conta que não temos medo, do que nos escondermos, com medo de ter medo. Descobri que vivia assombrado por uma multidão de personagens que se tinham cruzado comigo, e que eu, a desaparecer, estaria também a participar na sua eliminação. Com este solo descobri a maneira de fazê-las reviver – através do meu corpo dentro das palavras. É um solo acompanhado.

Autor e intérprete: Rui Catalão | Luz Eduardo Pinto | Operação de Luz Carlos Ramos | Fotografia: Patrícia Almeida | Gestão de Projecto: Tânia Márcia Guerreiro | Produção  PI - Produções Independentes | Co-produtores Centro Nacional de Dança de Bucareste (Roménia), Atelier Real, Galeria Zé dos Bois (ZDB) e PerFormas.
Projecto Financiado por MC (Ministério da Cultura), DGArtes (Direcção-Geral das Artes)

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©Patrícia Almeida

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